Precisei de alguns minutos para reorganizar tudo. Por que diabos as pessoas vem falar comigo quando eu ainda estou acordando? Porque tipo, já que eu estou acordando eu não vou ouvir metade do que você disse e nem me pergunte se eu lembro, porque é obvio que eu não vou lembrar né?
Fiquei uma semana inteira ajudando a limpar a bagunça, colocar as roupas das mala nos armários, fazendo comida, escrevendo no notebook, dando espaço para que o caminhão de mudança viesse com as outras coisas... Enfim, uma semana agitada posso dizer. Não foi nada fácil dormir num colchão de ar que toda noite esvaziava, até que enfim a minha cama tinha chegado, porque né? Ninguém merece...
Aí que eu lembrei que ia começar as aulas em menos de algumas horas. Eu não estava preparada pra ir de vã. Era isso que minha mãe tinha dito né? Que eu ia de vã? Bom... Até agora só conheci uma pessoa do condomínio todo, isso porque todas as outra vezes que eu tentei descer não tinha ninguém.. Quer dizer até tinha, mas eram criancinhas de cinco anos no parquinho, então...
Mas imagina de repente você ter que andar com pessoas durante o ano inteiro que vão pra outras escolas também. Será que não é estranho? Antes eu sempre ia de ônibus, era todo dia pessoas diferentes e tudo mais, mas pensa em ter que ver as mesmas caras todo santo dia? E se eu não gostasse de alguém, ou eles não fossem com a minha cara, como é que eu ia sobreviver lá dentro?
E não vem você me dizer que eu sou pessimista não. Eu sou é realista e ponto.
Aí fui lembrando das coisas que aconteceram aquela semana além da mudança. Minha mãe tinha me acordado outro dia desses correndo com um papel gigante na mão. O que era o papel? Bem... A lista escolar. Só que na hora ela não tinha me dito, aí eu pensei que fosse algo do tipo pagar alguma conta ou algo mais importante que comprar material e saí apressada também colocando a primeira roupa que vi que já estava fora da mala. Se eu soubesse eu teria me arrumado melhor, meu cabelo tava parecendo bombril! Quer dizer... Todo dia ele se parece com um pedaço de bombril, só que geralmente eu tento dá uma ajeitada o que o deixa um bombril mais comportado.
Daí fomos na loja e a mulher deve ter imaginado que estava falando com a filha de um mendigo. A lista tinha muita coisa, muitos livros incrivelmente pesados. Pelo menos não tinha coisas meio esquisitas do tipo papel higiênico. A parte legal foi escolher o caderno, claro. Eu me senti em um mundo de cadernos fofos e não sabia qual escolher. Por que eu tinha que escolher só um? Como que eu ia fazer isso se todos eram muito fofos? Foi isso o que eu acabei falando em voz alta sem querer. Minha mãe disse pra eu escolher um dos maiores do tipo de doze matérias. Então fui até a sessão deles.
Faz diferença se eles terem mais folhas se continuam sendo fofos? Quero dizer pra minha dúvida não, não faz tanta diferença.
Fiquei quase que horas escolhendo o caderno que nem percebi que minha mãe tinha ido até a parte de uniformes. A gente tinha ido na loja da própria escola, ou seja lá também vendem o uniforme deles. Já que ela tava gritado meu nome tão alto e ainda por cima do outro lado eu resolvi ficar com um do ursinho Pooh de capa meio laranja, apesar de quase levar a estante inteira junto comigo...
Fui até o balcão do lado de lá e peguei a roupa dobrada que estava na mão da minha mãe. Fui até um pequeno provador que mais parecia meio improvisado e provei-a. É... Até que tinha ficado bom. A calça não era tão larga quanto eu imaginava que seria e a camisa polo branca servia direitinho. Tinha até uns botões pra abrir um pouquinho em cima...
Sai do provador e mostrei como tinha ficado a roupa. Depois tive que provar o short e a calça leg de educação física.
Esses dias eu andei me preparando psicologicamente (e fisicamente lógico) pra chegar na nova escola... De vã. O tempo passou tão rápido que eu nem tinha reparado que tinha chegado o dia.
- Não, mãe! Por favor me deixa ir de ônibus e tem uma parada aqui perto eu posso ir andando...
- E deixar você ir sozinha assim com as pessoas grudadas em você, imagina se tem um cara que...
- Mãe! A Eve deixa eu ir de ônibus! E além disso eu já tenho 16 anos, posso me cuidar sozinha.
- Essa sua tia não tem um pingo de responsabilidade não é? Deixar uma menina assim ir sozinha? Onde já se viu? Pelo menos na vã, você terá pessoas da sua idade que vão ser mais respeitosas...
Eu revirei os olhos. Não adiantava discutir com ela. Para ela eu sempre serei uma menininha não importa a minha idade, ela vai continuar a me tratar do mesmo jeito.
Peguei a minha mochila de costas e desci pelo elevador ainda tentando me acostumar com a altura. Chegando lá em baixo eu não sei se comecei a tremer por causa do vento frio que estava fazendo de manhã ou porque eu estava com medo do que ia encarar. Eu segurava o caderno novo mas mãos quase o deixando cair de tanto que minhas mãos tremiam. Tá legal, eu exagerei um pouco, mas mesmo assim, eu estava ansiosa.
Pedi para o porteiro destrancar a porta da frente e sai andando olhando pro chão.
- Não vei a vã foi pro lado de lá! Cara corre!
Não deu nem tempo de olhar para quem estava falando. Meu caderno caiu no chão com tudo. Mas antes de eu abaixar para pegá-lo alguém já tinha feito isso por mim.
- Vish! Desculpa Tha, foi sem querer de novo, eu não vi que você tava aí - ele riu.
- Tu-tu bem... - eu só vi um vulto correndo em direção à uma vã azul, mas pela voz e pela frase "foi sem querer de novo, eu não vi que você tava aí" me fez descobrir quem era.
Ele me chamou de Tha? Quer dizer... Ninguém nunca me chamava assim, geralmente quando logo me conheciam me chamavam pelo nome mesmo, o que eu odeio, e os meus amigos mais próximos me chamavam de Thaty (eu realmente não sei porque diabos eles me chamam assim). Mas Tha era até que bonitinho, né?
De acordo com as descrições da minha mãe. A vã branca que estava passando deveria ser a que eu devia entrar.
Perguntei para o motorista se o nome era o mesmo que eu tinha ouvido. Ele disse que sim e eu entrei com dificuldade por causa do espaço pequeno que tinha e fechei a porta atrás de mim. E nenhum dos lugares tinha um espaço nas pontas, ótimo eu teria que falar com alguém. O homem me deu um bom dia e pediu pra que eu sentasse e que depois ele me daria o recibo do pagamento.
- É... Posso sentar aqui? - eu perguntei pra menina que estava sentada na frente.
- Tem gente! - ela gritou e colocou a mochila no lugar do banco vazio ao seu lado.
Andei mais para trás.
- Pode sentar aqui - uma menina de cabelos castanhos claros liso escorrido se afastou para o lado.
- Ah obrigada... - eu disse.
- Se você for ficar aqui tem que de acostumar com a Patrícia, acredite ela é sempre assim! - a menina loura de olhos azuis da frente se virou e deu língua pra gente.
- Ah e você é da minha escola! O mesmo uniforme hahah - ela ignorou a outra e sorriu - Pelo jeito você deve ser novata lá também né, qual o seu ano?
- Eu vou pro segundo... - eu ainda devia estar tremendo e morrendo de vergonha de ser a única novata.
- Ah! Eu também! - ela gritou toda animada - Se você tiver em outra sala, a gente pode pedir transferência. Acho que você vai se dar muito bem com a Dani! Quer dizer né, a Dani se dá bem com todo mundo... Ei meu nome é Yasmin, mas todo mundo me chama de Ya, ou a Dani e a minha priminha me chamam de Yaya. E o seu?
- Thaís, e bom... Geralmente as pessoas me chamam de Thaty...
Nessa hora a vã parou e um garoto bem bonitinho com as bochechas vermelhas empurrou a porta. Ele se sentou do lado da loura da frente e começou a conversar com ela. Acho que era ele quem ela dizia que o lugar estava marcado.
- As bochechas dele são bem rosadas não são? - ela sussurrou.
- Aham - eu disse sem entender o por que da pergunta.
- É eu sei, ele usa Bush, foi eu que dei pra ele um da M.A.C de presente no aniversário do ano passado. A cor fica linda não fica?
- Ele usa..? - eu não consegui terminar a frase mas ela pra perceber que era uma pergunta. Ya ia responder alguma coisa mas ele virou pra trás e disse:
- Tudo bem não precisam sussurrar, eu sei que vocês tão falando de mim... É nova?
- Sim ela entrou hoje... - Ya respondeu por mim.
- Ah ok... - ele disse como se tivesse mais alguma coisa que eu não soubesse que ela tinha que me explicar - Aimeudeus! Que meias fofas, amiga! Você tem outras cores? Poxa eu só tenho brancas queria ter outras cores desse jeito! - ele apontou pro meu pé.
Eu corei. Como não estava achando as minhas meias brancas eu peguei a primeira que vi, uma de cano baixo de cor lilás clarinho que aparecia um pouco por causa do meu vans bem rasteiro. Eu achei que ia parecer infantil mas a minha mãe disse tantas vezes que ninguém iria reparar nas minhas meias. E era exatamente isso o que todo mundo ali estava fazendo.
- Ele é...? - eu ia perguntar de novo para a menina do meu lado e ela fez que sim com a cabeça e depois completou.
- Ele é assumido sim, só as vezes que ele tem esses tiques... Fora isso ele parece um menino como qualquer outro né? - ela disse num tom meio normal e depois começou a sussurrar - tem algum problema pra você? Quero dizer sabe... Ele é muito de boa, mas não é todo mundo que aceita, sabe...
- Ah... Eu não tenho problema nenhum com isso não... - eu tentei sorrir, pra falar a verdade eu nunca havia conhecido alguém como ele, mas eu não tinha mesmo nenhum preconceito com eles.
O garoto sorriu.
- Meu nome é João. Daí tem gente que me chama de Jô. Mas a maioria me chama de Clips. Eu particularmente gosto de Clips hahaha - ele riu.
- Clips? - eu perguntei meio sem entender.
- É que um dia ele tava com uns clipes no estojo e aí a professora pediu emprestado um, só que um deles tava com cola e grudou no dedo dele. Ele ficou o dia inteiro com o clipe no dedo, e aí todo mundo começou a chamar ele de Clips - a loura da frente explicou meio que sem vontade.
- É eu tava naquele dia, ele ficou gritando o tempo todo pra tirar o clipe haha foi engraçado - a Ya disse.
- Ei vocês sabem que eu tô ouvindo não precisam falar do tipo "ele", pode falar direto comigo né. - ele deu um sorrisinho.
Ele e a Patrícia não eram da minha escola. A primeira parada foi a nossa, então desci seguindo Ya onde quer que ela fosse, imaginando que fosse ver em que turma ela estava. Pelo menos eu ia fazer isso, era o que eu já fazia sempre em cada ano novo.
- Ei, qual é seu nome todo? Tem uma Thaís aqui na minha sala, mas não sei se é você...
Eu fui na lista que ela tava apontando e li meu nome lá. Sim era eu. Foi o que eu disse pra ela. Se eu antes eu conseguia ouvir mais ou menos, agora era que eu não ouvia mesmo. O grito que ela deu dava pra chegar na China, e eu estava do lado dela né...
- Ué mas não tem nenhuma Yasmin aqui.. - eu disse lendo os nomes de baixo pra cima e depois parei em um - Seu nome é Maria Yasmin?
- É... Horrivel né? Gosto mais só de Yasmin, ou Ya. Ou Yaya - ela sorriu - é só esquecer que eu tenho um nome composto.
Eu ia dizer que não era horrivel não, mas eu já imaginava que se u tentasse dizer ela ia contrariar. E discussão não era o que eu queria com alguém que eu acabei de conhecer que tem grandes chances de ser a única a me aceitar por aqui.
- Então a nossa turma é o 2º E. É na sala 15. Eu sei onde é, eu mostro.
Quando entramos na sala as pessoas começaram a entrar também. Era uma coisa meio maluca ter muita gente, eu não estava acostumada com 50 alunos numa sala só.
Deus do céu... Pelo jeito eu tinha muita coisa pra aprender...
